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Prateleira vazia

27
Dez21

Uma Vindicação dos Direitos da Mulher - Mary Wollstonecraft

Margarida

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“Já agora, podíamos não ter nascido, a não ser que fosse necessário que houvéssemos de ser criadas para habilitar os homens a adquirir o nobre privilégio da razão, o poder de discernir o bem do mal, enquanto nós jazemos no pó de onde nos retiraram para nunca mais nos erguermos.”

Não me lembro da primeira vez em que ouvi falar do conceito de feminismo, mas sei que foi uma ideia que rapidamente me fez sentido. Porque não haveria de fazer? Não é a equidade e a garantia de direitos para todos algo bom e certo, algo a almejar? Ao longo do tempo fui descobrindo cada vez mais sobre o assunto. No entanto, muito do conteúdo que consumia era sem grande espírito crítico: era-me fácil ver pessoas desconhecidas na internet a falar de assuntos que não dominava e as suas opiniões como factuais e corretas. Esta não é atitude correta a tomar em relação a nada, especialmente com tópicos tão relevantes.

Em 2021 decidi começar a ler mais não-ficção e Uma Vindicação dos Direitos da Mulher foi o último do ano. Descobri-o depois de ler A Room of One’s Own, da Virginia Woolf, que me fez refletir sobre o meu privilégio enquanto mulher que sempre teve o acesso a educação gratuita como um direito. Sendo a educação um tema central destes dois livros, achei importante ler também o Uma Vindicação.

“Por isso, é tão absurdo quanto cruel rirem-se delas, satirizando os disparates de um ser a quem nunca é permitido agir em liberdade à luz da sua própria razão, porque a coisa mais natural e mais certa é aqueles que são ensinados a obedecer cegamente à autoridade recorrerem a esforços astuciosos para a iludir.”

Este livro foi escrito durante a revolução francesa pois, apesar das conquistas obtidas neste período, Wollstonecraft apercebe-se de que estas melhorias na qualidade de vida não englobariam a metade feminina da população, que continuaria confinada ao seu estatuto de seres inferiores.

Nesta obra, a autora pretende defender o direito das mulheres a uma educação digna, o que as ajudaria a elevarem-se do seu estatuto na sociedade visto como inferior.
Wollstonecraft tem uma atitude severa para com as mulheres da sua altura, criticando as suas tentativas de manipulação, o seu gosto pela luxúria e pela superficialidade, pela educação desregrada que dão aos filhos e que os torna em crianças mimadas etc. No entanto, estas críticas vêm com a consciência de que a maioria das mulheres não tem uma educação ou direitos suficientes que lhes permitam saber que esta não é a melhor forma de agir. São um fruto da existência a que foram condenadas.

“(...) terá alguma vez havido figura, mesmo que formada pela simetria de uma Vénus de Médicis que não tivesse sido desconsiderada?”

Este livro tornou-se algo frustrante por vezes devido à forte ligação que a autora tem com a com deus, tendo alguns argumentos por base ideias religiosas. Ainda assim, é fascinante ver como uma obra tão antiga apresenta, simultaneamente, ideias tão inteligentes e refrescantes num tema que continua a ser extremamente atual. 

“Durante muitos, mesmo muitos anos, permitiram que as mulheres permanecessem na ignorância e numa dependência servil e, ainda assim, só ouvimos falar de que gostam do prazer e de controlar, que preferem libertinos e militares, do apego infantil a brinquedos e da vaidade que as leva a valorizar mais os méritos que as virtudes.”

Esta é uma leitura que me deixou abatida devido à descrição que a escritora fez de comportamentos da sua época que ainda hoje se verificam. Entristece saber que, apesar de muito se ter alcançado em 200 anos, existem tantos passos ainda a ser dados e preconceitos a ultrapassar. 
Marry Wollstonecraft é uma escritora fenomenal e recomendo totalmente esta leitura; contem com muita inteligência, perspicácia e uma dose de humor e sarcasmo à mistura.

08
Dez21

Frankenstein - Mary Shelley

Margarida

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The untaught peasant beheld the elements around him, and was acquainted with their practical uses. The most learned philosopher knew little more. He had partially unveiled the face of Nature, but her immortal lineaments were still a wonder and a mystery.

Bem, por onde começar?

Este é o primeiro livro que termino desde o final de setembro. Três meses se passaram e aqui estamos, com uma história que me marcou como poucas já o fizeram. Uma prova disso foi a quantidade de vezes que tive de pausar a leitura para olhar para o vazio durante uns segundos e me inteirar do que tinha acabado de ler. Este era um dos livros que sabia que ia adorar ainda antes de o começar; apenas não sabia que iria ultrapassar todas as minhas, já altas, expetativas.

A história de Frankenstein e do seu monstro é muito distinta da ideia pré-concebida que tinha, sustentada pelas várias adaptações ao cinema que foram feitas ao longo dos anos.

Mary Shelley criou a história de Victor Frankenstein, um rapaz apaixonado pela ciência e pelo mundo, que experiencia a transformação da sua vida idílica num inferno inescapável após conseguir criar vida na forma de uma criatura grotesca e horrorosa. A sua vontade incessante de se elevar intelectualmente, que culmina com o seu ato digno de um deus omnipotente, transforma-se na sua desgraça.

Why did you form a monster so hideous that even you turned from me in disgust? God, in pity, made man beautiful and alluring, after his own image; but my form is a filthy type of yours, more horrid even from the very resemblance. Satan had his companions, fellow-devils, to admire and encourage him; but I am solitary and abhorred.

A história de Frankenstein é uma profundamente triste e sombria, tanto da perspetiva de Victor como da sua criação. Observamos os dois a serem progressivamente consumidos por vingança, raiva, e acima de tudo, uma tristeza que penetra o mais ínfimo recanto dos seus seres.
Vemos o efeito que a ambição desmesurada e pouco calculada pode ter, o poder transformador que a falta de compaixão e empatia têm num ser que tanto de humano tem e o desgaste que a vingança causa. Vemos a importância da ciência e somos obrigados a refletir sobre onde se encontram os limites desta e se conhecimento absoluto é algo sobre o qual se deva sonhar.

Com Frankenstein, tive a oportunidade de ser assustada pela primeira vez com um livro. O momento descrito por Mary Shelley num dos momentos do 3º volume é tão impactante que me deixou fisicamente ansiosa com a imagem que o meu cérebro pintou do que tinha acabado de ler.

Este livro tornou-se instantaneamente num novo favorito, e espero ter conseguido transmitir o prazer que foi ler algo tão tragicamente belo.

If i cannot inspire love, I will cause fear.