O Evangelho segundo Jesus Cristo - José Saramago
(...) que as mulheres já sabemos que em tudo são secundárias, basta lembrar uma vez mais, e não será a última, que Eva foi criada depois de Adão e de uma sua costela
De volta ao blog, desta vez com um livro de José Saramago que, adiantando já a conclusão, se tornou num favorito, talvez ainda mais que As Intermitências da Morte. Tinha estado a adiar comprar e ler este livro, achei que por ser relativamente grande e se focar puramente na história de Jesus se ia acabar por tornar maçador e difícil de ler. Mas, a decisão de finalmente o comprar foi feita numa viagem ao Porto em que, visitando pela primeira vez a livraria Lello, descobri que havia toda uma coleção de edições de capa dura lindíssimas de vários livros de Saramago. Obviamente não resisti, e ainda bem.
(...) a atmosfera está carregada dos fumos da lenha e dos coiratos queimados, de vapor de sangue e de suor, uma alma qualquer, que nem precisará ser santa, das vulgares, terá dificuldade em entender como poderá Deus sentir-se feliz em meio de tal carnificina
Este livro segue a vida de Jesus desde o seu nascimento até à sua morte, não se focando só nos seus tempos enquanto Messias e fazedor de milagres. Mostra-o enquanto criança, enquanto adolescente que se rebela contra a família e enquanto homem que se apaixona intensamente por Maria Madalena, acabando por retratar um humano que não quer ser mero instrumento de Deus.
Tudo isto farás, perguntou Jesus a Pastor, Mais ou menos, respondeu ele, limitei-me a tornar para mim aquilo que Deus não quis, a carne, com a sua alegria e a sua tristeza, a juventude e a velhice, a frescura e a podridão, mas não é verdade que o medo seja uma arma minha, não me lembro de ter sido eu quem inventou o pecado e o seu castigo
Como seria de esperar, o livro critica intensamente a religião, retratando ironicamente um Deus sedento de poder e sem misericórdia, e um Diabo que, para além de ser o primeiro professor de Jesus, critica a brutalidade divina e valoriza a vida. Estes dois seres, que normalmente seriam opostos, acabam por ser como duas faces da mesma moeda. Não existe um sem o outro.
O facto de já sabermos o desfecho da história de Jesus desde o início tornou esta história ainda mais infeliz. Todas as suas tentativas de fugir de quem era e do que lhe estava predestinado foram vãs, e só acrescentaram à tragédia.
Resumindo, contando com todas as ironias e metáforas do costume, este foi um livro muito intenso e emocional; recomendo completamente.
Então o Diabo disse, É preciso ser-se Deus para gostar tanto de sangue.