Uma Vindicação dos Direitos da Mulher - Mary Wollstonecraft
“Já agora, podíamos não ter nascido, a não ser que fosse necessário que houvéssemos de ser criadas para habilitar os homens a adquirir o nobre privilégio da razão, o poder de discernir o bem do mal, enquanto nós jazemos no pó de onde nos retiraram para nunca mais nos erguermos.”
Não me lembro da primeira vez em que ouvi falar do conceito de feminismo, mas sei que foi uma ideia que rapidamente me fez sentido. Porque não haveria de fazer? Não é a equidade e a garantia de direitos para todos algo bom e certo, algo a almejar? Ao longo do tempo fui descobrindo cada vez mais sobre o assunto. No entanto, muito do conteúdo que consumia era sem grande espírito crítico: era-me fácil ver pessoas desconhecidas na internet a falar de assuntos que não dominava e as suas opiniões como factuais e corretas. Esta não é atitude correta a tomar em relação a nada, especialmente com tópicos tão relevantes.
Em 2021 decidi começar a ler mais não-ficção e Uma Vindicação dos Direitos da Mulher foi o último do ano. Descobri-o depois de ler A Room of One’s Own, da Virginia Woolf, que me fez refletir sobre o meu privilégio enquanto mulher que sempre teve o acesso a educação gratuita como um direito. Sendo a educação um tema central destes dois livros, achei importante ler também o Uma Vindicação.
“Por isso, é tão absurdo quanto cruel rirem-se delas, satirizando os disparates de um ser a quem nunca é permitido agir em liberdade à luz da sua própria razão, porque a coisa mais natural e mais certa é aqueles que são ensinados a obedecer cegamente à autoridade recorrerem a esforços astuciosos para a iludir.”
Este livro foi escrito durante a revolução francesa pois, apesar das conquistas obtidas neste período, Wollstonecraft apercebe-se de que estas melhorias na qualidade de vida não englobariam a metade feminina da população, que continuaria confinada ao seu estatuto de seres inferiores.
Nesta obra, a autora pretende defender o direito das mulheres a uma educação digna, o que as ajudaria a elevarem-se do seu estatuto na sociedade visto como inferior.
Wollstonecraft tem uma atitude severa para com as mulheres da sua altura, criticando as suas tentativas de manipulação, o seu gosto pela luxúria e pela superficialidade, pela educação desregrada que dão aos filhos e que os torna em crianças mimadas etc. No entanto, estas críticas vêm com a consciência de que a maioria das mulheres não tem uma educação ou direitos suficientes que lhes permitam saber que esta não é a melhor forma de agir. São um fruto da existência a que foram condenadas.
“(...) terá alguma vez havido figura, mesmo que formada pela simetria de uma Vénus de Médicis que não tivesse sido desconsiderada?”
Este livro tornou-se algo frustrante por vezes devido à forte ligação que a autora tem com a com deus, tendo alguns argumentos por base ideias religiosas. Ainda assim, é fascinante ver como uma obra tão antiga apresenta, simultaneamente, ideias tão inteligentes e refrescantes num tema que continua a ser extremamente atual.
“Durante muitos, mesmo muitos anos, permitiram que as mulheres permanecessem na ignorância e numa dependência servil e, ainda assim, só ouvimos falar de que gostam do prazer e de controlar, que preferem libertinos e militares, do apego infantil a brinquedos e da vaidade que as leva a valorizar mais os méritos que as virtudes.”
Esta é uma leitura que me deixou abatida devido à descrição que a escritora fez de comportamentos da sua época que ainda hoje se verificam. Entristece saber que, apesar de muito se ter alcançado em 200 anos, existem tantos passos ainda a ser dados e preconceitos a ultrapassar.
Marry Wollstonecraft é uma escritora fenomenal e recomendo totalmente esta leitura; contem com muita inteligência, perspicácia e uma dose de humor e sarcasmo à mistura.